domingo, 27 de dezembro de 2015

ENSAIO : Mariana Coelho, Uma Educadora Feminista Luso-Brasileira

PEQUENO ENSAIO
Sobre
" MARIANA COELHO
Uma educadora feminista Luso-Brasileira"
de
Aires Antunes Diniz



De autoria de Aires Antunes Diniz e com o apoio da Câmara Municipal de Sabrosa, chegou à estampa em setembro deste ano de 2015, com 284 páginas, a obra " Mariana Coelho - Uma educadora feminista Luso-Brasileira ".
Que reflexão farei sobre a mesma, questiono-me.
Diniz evidencia uma escrita ampla, fundamentada em investigação profunda, escorreita, atrativa, que dá gosto ler e o querer conhecer mais sobre Mariana Coelho. Dinis escreve bem. Um bom português, uma linguagem clara, personalizada, desenvolvida e motivadora.
Chegamos ao fim da leitura com a sensação de que a história desta educadora feminista não está completa, ou melhor, encontra-se inacabada e, com toda a certeza, muito mais haveria para dizer quer da sua vida em Portugal, quer da sua vida após a emigração para o Brasil, até à sua morte, aos 97 anos de idade.
É certo que poderão ter sido vistas e analisadas pelo autor todas as fontes que encontrou, disso não tenho dúvidas, dado o seu rigor na investigação científica. Porquê então esta sensação de incompletude? Aliás, como refere Diniz na nota de Apresentação, pág.18, 1º e 2º parágrafos, no que se refere á colaboração de Mariana Coelho em jornais portugueses, escreve: "Fizemos o que era possível para explicar esta partida com base nos arquivos portugueses, mas não conseguimos encontrar a colaboração de Mariana Coelho nos jornais portugueses de 1887, quando começou a publicar, a 1892, ano em que partiu para o Brasil. Falta agora estudar os arquivos brasileiros de Curitiba e os jornais onde ela e o irmão colaboraram ou lideraram. Mas isso fica para quem está do outro lado do Atlântico". (Aqui refere-se a Leonardo Iorio, sobrinho trineto de Mariana Coelho).
Com efeito, das 250 páginas de texto, dois terços são dedicados á crise do Douro pela invasão da filoxera em finais do século 19, e, só um terço a Mariana Coelho, à origem da sua família em Vila Real, Sabrosa ou Lamas de Orelhão, Mirandela, e, à sua vida em Curitiba para onde emigrou em 1892 como seu irmão mais velho, Carlos Alberto Teixeira Coelho (1866-1926), e família deste.
Foi professora e educadora, fundando em 1902, 10 anos após a sua chegada a Curitiba, o Colégio Santos Dumont, escola de ensino primário e secundário, que prepara alunos para acesso à Escola Normal e ao Ginásio.
Foi escritora, poetisa, anarquista, socialista, maçónica e espiritista.
O Feminismo, sua evolução e emancipação da mulher nas suas diversificadas vertentes interventivas e a defesa da natureza, animais e plantas, foram os grandes pilares da sua escrita em fase já de adultidade, pois começou a publicar em 1887, tinha então 30 anos.
Seguidora das ideias de Jacques Novicow, sociólogo francês, membro e vice-presidente do Instituto Internacional de Sociologia, e de Sampaio Bruno, aliás, José Pereira Sampaio, diretor da Biblioteca Municipal do Porto, no que concerne à emancipação da mulher, mas não as relativas ao amor livre. Concordava com o socialismo nos valores que defendia pela autonomia e dignidade da mulher.
Viveu Mariana Coelho uma vida longa (1857-1954) de saudades, no início, da sua vida em Portugal, mas do seu saber adquirido, levou consigo a força de vencer em terras brasileiras onde se emancipou e desenvolveu uma intensa actividade docente, social, literária e política.
A emigração, a que se viu forçada a sua família pela crise agrícola (filoxera), económica e social da região duriense, contexto histórico marcante da sua vida, pela falência da Quinta de Valcovo, Santa Comba da Ermida, sita nas margens do rio Corgo, património rural de sua mãe, Maria do Carmo Teixeira, pela quebra de rendimentos agrícolas que a impediu de honrar os seus compromissos, bem assim a morte de seu pai em 1882, Manuel António Ribeiro Coelho, farmacêutico e grande agricultor de Sabrosa, contribuíram indubitavelmente para as suas ideias feministas e anarquistas, envoltas de uma simbiose revoltosa que passou para a sua atividade política e literária.
Em 1949, Mariana Coelho referia como escritos por si os seguintes livros: Discursos; Paraná Mental (cuja 2ª edição o autor leu, e editado pela Imprensa Oficial do Paraná, Curitiba);  Evolução do Feminismo: Subsídios para a sua história, editado em 1933 pela Imprensa Moderna, Rio de Janeiro e que Mariana escreveu aos 76 anos; Um brado de revolta contra a morte violenta; Linguagem (Tese que apresentou no Congresso das Academias de Letras e Sociedades de Cultura Literária do Brasil); "Cambiantes", Contos e Fantasias, livro mais de carácter intimista; e Palestras Educativas.
Por último, quero lançar um repto a Aires Antunes Diniz: Não escreverei uma única linha sobre a Filoxera e a Crise da Vinha no Douro e em Portugal nos finais do século 19, princípios do século 20, tema deveras importante para se consignar a ser subalterno neste livro.
Por mim, optaria por 2 obras distintas: uma, sobre Mariana Coelho, aproveitando os capítulos nºs 1, 6 e 7 desta sua obra a que acrescentaria mais elementos analíticos dos livros escritos por Mariana Coelho e o seu pensamento; outra, sobre a Filoxera e a Crise da Agricultura no Douro e em Portugal, que tão bem e pormenorizadamente descreve nas restantes páginas deste seu livro.
Boa escrita, pois!

Bragança, dezembro de 2015

Maria Idalina Alves de Brito

domingo, 22 de novembro de 2015


ENSAIO
Sobre

" A MULHER QUE VENCEU DON JUAN "
de
Teresa Martins Marques

De uma realidade nua e crua, tão longínqua e tão próxima, solta-se, de Trás-os-Montes ao Algarve e, por terras de além mar: Moçambique, Brasil ou Argentina, este romance tridimensional de Teresa Martins Marques, " A Mulher que venceu Don Juan ". O ela, nós e eles, entre elementos ficcionais e pessoas concretas, amadas e conhecidas do eu, na aventura do diálogo constante, directo e indirecto do drama ou do humor, nessa corajosa analogia de palavras com diferentes  valores simbólicos (alma, lama, frio, frois, froid, pág.43). "Tu és eu e eu sou tu" (pág. 79). Leonor caminha pela verdura do amor desalentado e cansado de mãe como em diversos socalcos da verdadeira vida. Quisera que a realidade fosse diferente! Mas, a violência assume contornos diversificados, mesmo na própria casa, e, com as pessoas que mais amamos.
O papel da APAV no apoio contra essas formas de tirania, revê-se na figura da Dr.ª Lúcia e das mulheres vítimas de violência doméstica como Sara, Marta e Odete e, mesmo no Prof. Luís, que transformaram o medo em sobrevivência heroica contida em raiva. Porque: "o amor não é mais forte do que nós. Se deixarmos que o seja, acabou-se a liberdade" (pág.88). Teremos de matar  "esse veneno chamado destino" e "recomeçar, não ter medo de recomeçar. Amanhã é sempre outro dia" (pág.103).
Uma cativante  aventura pelos caminhos da Filosofia, Literatura e Psicologia, evidenciando um imenso conhecimento literário, cultural e histórico, numa linguagem rigorosa e atrativa, que nos prende e suspende às suas páginas, na ânsia da compreensão do desenlace final. São exemplo: o conhecimento da Tavira árabe, o Porto ou a Lisboa de hoje e de ontem; a psicanálise de Freud e a filosofia de Kierkegaard e o seu " Diário do Sedutor " (págs  136, 137, 303 e 304), na interpretação da sexualidade patológica do Don Juanismo (masculino e feminino) e a sua essência teatral e manipuladora, do " não-ser e o não-estar em parte alguma, a não ser em trânsito ", para dominar e violentar o outro: " pássaro e cobra " da sedução, dada a sua incapacidade de amar outrem, a não ser a si próprio, na compulsividade inconsciente de se afastar (reprimir) do objecto do seu desejo: alguém do mesmo sexo, que quere, afinal (pág 234 e 235). Porque, na impossibilidade de " curar " um psicopata do amor "serial lover", o " amar é separar-se, quando do convívio só resulta dor " (pág 302).
Emerge este belo e cativante romance de Teresa Martins Marques, pelos mares bravios da realidade existencial que impiedosa  e cruel, nas diferentes faces de violência e exploração do ser humano, contrasta com os percursos laterais das ondas suaves de amor,  tolerância, solidariedade e liberdade, nunca desistindo de construir um mundo melhor pela dignificação da  vida das pessoas,  numa corajosa ética profissional, missão tão simples e dura de muitos (as) e tendo como lema de vida o de Manuela, numa frase de Eduardo Lourenço: " Não emprestarei os meus joelhos aos ídolos sentados no lugar impossível de Deus".
Parabéns e muito obrigada, Teresa Martins Marques, foste tu a Corajosa e Grande  " Mulher que venceu Don Juan ".

Bragança, 3 de agosto de 2014

Mª Idalina Alves de Brito
(Lara de León)
ENSAIO
REFLEXÕES SOBRE
" A LÓGICA DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E A PLURALIDADE DOS MÉTODOS I "
de
Aires Antunes Diniz

Já se passaram 21 anos desde que DINIZ, Aires Antunes, publicou "A Lógica da Investigação Científica e a Pluralidade dos Métodos I , ou como a filosofia é demasiado importante para ser deixada aos filósofos", 1ª edição, Coimbra, Minerva, 1994. Porquê então falar desta obra, revê-la, reanalisá-la, colocá-la em reflexão no momento presente? É que, as hipóteses nela levantadas, como uma imprevisibilidade de futuro e seus paradigmas, são também a multifacetada e presente realidade. A história da ciência, nomeadamente da ciência económica, perspectiva-se em condicionantes racionais e irracionais, que nos podem levar por caminhos nunca outrora percorridos e a conclusões jamais pensadas, ou se reflectidas, não interiorizadas de concretizações possíveis.
Diniz, utiliza uma linguagem escrita assaz técnica, científica, muito complicada e hermética, só melhor compreensível para a comunidade dos investigadores e cientistas. Usa e abusa da heurística para chegar ao conhecimento científico numa procura insaciável da descoberta. Citações são às centenas (ser citado é ser conhecido? Importante para a comunidade científica, e não só?), justificações, demonstrações.
 O racionalismo procura-se, e, urge em cada palavra, cada frase pensada no muito que se quer dizer na contenção, na síntese da análise filosófica científica, no rigor exaustivo da simplificação metafísica, pelos imensos problemas da incomensurabilidade das teorias. A Filosofia da Ciência é um campo aberto para todas as ciências "demasiado importante para ser deixada aos filósofos", assim como a ética da ciência, a racionalização e a prática na produção científica.
Querendo afastar da ciência o subjectivo, as emoções, impondo uma constante racionalidade, redescobre que ao nível da economia e do mercado, essas razões irracionais são deveras importantes, pois são uma das condicionantes das nossas decisões.
Diniz, enquanto investigador, professor, economista, pretende chamar-nos a atenção para o paradigma da reconstrução da Teoria Económica, fundamentada no extraordinário papel das novas tecnologias na produção científica, baseando esta em valores éticos e deontológicos.
Caminhamos na sua reflexão pela Filosofia de Popper, de Lakatos e de Paul Feyerabend, na análise dos métodos da Dedução e Indução, do Método Marxista na Ciência Económica para nos concentrarmos na Revolução Científica e nas Novas Tecnologias, na Metafísica da Engenharia da Decisão e da Escolha, ou da Nova Engenharia Social, Utopia e Real, como novo paradigma de uma nova teoria.
Vejamos, então.
Mas antes, no Prefácio, era necessário Aires Diniz, essa demonstração de raiva, amargura, para com os inimigos? Sim, como humanos! Ou talvez não, como seres superiores! Inveja? Os meus, os teus, os nossos inimigos, ajudam-nos a evoluir, a criar e cultivar a resiliência, a ter forças para mais e melhor lutar! Os grandes homens e mulheres, também o são, no perdão. Por vezes, as pessoas são tão semelhantes, que não suportam a outra, já que é uma imagem de si própria. Vê-se e revê-se em si, e, não se quer ver. Porque vê as suas qualidades, melhor, os seus defeitos, que não gosta de ver, nem assumir. Deixemos esta análise psicológica para depois! Atitudes pessoais? Sim. Ou melhor, carpe diem!
Diniz fala-nos então dos rituais da produção científica, na práxis ora existente. De que forma se apresenta? O 1º ritual é o da linguagem e a forma de escrita, tendo em consideração os significados dentro do funcionamento social, a relatividade dos significados e significantes, a análise lógica dos textos, e, a estruturação linguística, a qualidade de soluções e reformulação dos problemas (pág.2). O 2º ritual é o da citação, como árvores de citações, que o autor aplica extraordinariamente nesta obra. E que, segundo Laband (1986), o valor científico é medido pelas citações. Permitam-me discordar, não no que se refere a uma análise cronológica de factos, mas à criatividade, conhecimento e imaginação intuitiva que todo o investigador possui ou deve possuir. O 3º ritual (pág.3) é o da publicação em revistas, livros, jornais, etc, utilizando uma retórica literária que seja aceite pela comunidade científica (Malloskey, 1983 e 1985). Mais uma vez é aqui invocado (em nota de rodapé) o extraordinário papel dos inimigos ao descobrirem os nossos erros e fraquezas e a quem não se paga pela sua eficácia na nossa evolução.
Fala-nos no preço de escrever bem, no objetivo do novo marketing que é o apoio ao cliente, na qualidade da produção, sua apresentação e legibilidade. Passa ao uso da linguagem literária e da linguagem matemática, ambas necessárias para a expressão rigorosa e adequada do pensamento, para novamente, em nota de rodapé (pág.4) voltar a referir: "O que aumenta a reputação dos cientistas é a sua aceitação na comunidade científica. Ser citado é ser usado. O uso dos trabalhos que fizeram representa a sua qualidade, medida de acordo com os progressos científicos que provoca... segue a lei de São Mateus. Aquela (instituição científica) quando é prestigiada atrai novos membros com qualidade, quando não o é, perde-os. E, quando impera a lei da mediocridade, expulsa-os". Enfim, a história repete-se tantas e tantas vezes! É que as mulheres e os homens com valor, fazem sombra, não é verdade? Na publicação também é necessário ser rápido, afirmando-se pela originalidade, com cuidado pela fraude e má qualidade dos resultados, uma vez que é necessário publicar para se "poder sobreviver no negócio científico". É a máxima: publish or perish.
Refere-se que Diniz põe em prática, aqui nesta obra, esses 3 rituais como fundamentos essenciais da sua existência enquanto cientista e investigador, criticando e autocriticando-se.
Numa lógica de filosofia da ciência, sempre os filósofos se preocuparam em "reconstruí-la", questionando-se sobre o que se faz, como se faz e o que se deve fazer na evolução das teorias. Por vezes há opiniões ingénuas sobre a ciência e os cientistas, referindo Althusser (1974) no que se refere ao pressuposto de que "as concepções filosóficas / epistemológicas dos cientistas são espontâneas". Porque hoje, mudam todos os paradigmas, quer filosóficos, científicos ou técnicos, já que se encontram "enquadrados em programas de pesquisa, avaliados pelos resultados" (pág.8).
Mas uma coisa é o Normal, outra o Desejável. Inicia a sua exposição com o argumento de que as teorias da realidade prática da investigação científica de Kuhn, Lakatos e Feyerabend foram influenciadas por Popper, passando depois por Bertrand Russel (1912) ou Keynes (1921). Demonstra a paixão pela ciência e pela procura da verdade científica e a sua (autor) nas palavras de Polanyi (1964): "... O papel activo do investigador, numa militância assente em certezas ou crenças que fazem prosseguir projectos de investigação que encontram a sua força numa paixão de descoberta inesgotável que guia as experiências e faz descobrir o improvável". A filosofia questiona pois, os fundamentos científicos existentes, uma "sucessão de gerações: umas constroem teorias; as seguintes refutam-nas e constroem novas teorias. Ou seja, não há falibilistas ou verificacionistas puros: na mesma pessoa existirá um e outro (Merton 1973)".
O que dizer do normal (existente) e o desejável (ética da ciência) nas práticas de produção científica? (pág.9). Voltamos á carreira do cientista: " ...tem que citar e ser citado, ser lido e ler... integrar-se... onde tem o seu emprego... ". Mais, vorazmente, abruptamente, que fere qualquer mortal com valores: " Espera-se que tenha manha e que possa e saiba usá-la. A maneira como usa as ligações que tem e ainda como as inicia, tende a exprimir-se no modo como apresenta e vai valorizar os próprios trabalhos que faz. O fim é agradar à ciência normal ". " Vencer, convencendo da sua integração e integrar a comunidade científica no seu trabalho, obrigando, por citações que faz de outros trabalhos, a que os citados o leiam, ganhando assim notoriedade e aceitação, pois necessita disso. E alguns dizem-no de modo provocatório (Thomas e Nelson, 1985) ". Estas afirmações, dizemos nós, não são só de autores estrangeiros, os nossos nacionais, também o dizem em convívio e, se não o dizem, pensam-no, já que não seria politicamente correcto, referi-lo em público. " Outros, como Rizzuto (1985), fazem a listagem do modo de comportamento do grupo social dos cientistas num aspecto formal, no contexto da prática da citação, como indiciadora de uma prática integrativa: a) Citações do Mestre; b) Um clube de citações; c) Citações de todos os trabalhos anteriores; d) Citações aleatórias  (dos trabalhos de que se lembrou no dia da recolha de bibliografia antes do envio para publicação); e) Citação dentro do contexto de um trabalho de pesquisa de literatura existente;  f) Citação ordenada só de alguns trabalhos e de referências".
Parece que estão a gozar connosco. Ridículo, não? Questionamo-nos: o que é a ciência, para que serve, o que fazem os cientistas, qual a sua liberdade, independência? É apenas um burocrata? Um bajulador do(s) Mestre(s)? Um ser repetitivo de repetições?
Diz-nos Diniz, por vezes, podem rebelar-se contra esta tendência (Anderson, 1991) e podem surgir algumas situações possíveis (Emery e Trist (1965): uma situação de placidez muito espalhada em organizações da nossa comunidade; ou de organizações concentradas, mas ambas sem grande intervenção social; uma reacção a outras organizações, para não ficar para trás; ou a da "permanência do desacordo sob a forma de programas de pesquisa com heurística diferentes, numa perspectiva Lakatosiana" (págs. 10 e 11).
O cientista é pois, um produtor de conhecimentos organizados, um verificador de pensamentos, um utilizador da filosofia, um refutador de metodologias, um actualizador de conceitos e de valores, que vai inserindo na sua produção científica. Mas um " filósofo é também um cientista, já que participa na construção dos métodos de descoberta na heurística (Ayer, 1936).... " O cientista transforma a filosofia especulativa em filosofia científica porque impõe a introdução das formas lógicas e rigorosas de produzir ciência nas práticas de questionamento dos resultados científicos (Reichen Bach, 1951, págs 228 - 229)" (pág.11) mesmo nas ciências sociais " para um maior rigor na produção de resultados ". Para Marx, " opõe-se ciência ao trabalho, já que para aquela está unicamente ligada e é propriedade do capital fixo " enquanto "os trabalhadores não possuíam conhecimentos que lhes permitissem dominar o elemento científico e fazerem a sua desalienação em relação ao seu próprio trabalho ". O processo científico era pois (segundo Marx) " um processo social acima do poder e do entendimento das massas trabalhadoras, onde o capital aprisiona o progresso histórico e o mete ao serviço da criação da sua riqueza " (pág. 13).
Caminhamos agora, após esta síntese analítica introdutória, para a "Lógica da Investigação Científica e a Pluralidade dos Métodos I", começando com o Paradigma /Programa de Pesquisa de Popper, um céptico, criticando o historicismo e a possibilidade de uma ciência social fabricar as leis, dadas as actuações incontroláveis dos Homens. Contra esta lógica de confirmação e da teoria da verisimilitude (Feyerabend, 1978) reagiram hostilmente os economistas, pela destruição de possibilidades da " proliferação dos campos de investigação " (pág. 17). Na verdade, Popper preocupava-se mais com a refutação/falsificação das teorias, como  método de análise, do que com o vocabulário ou significados usados por elas. Esta análise é refutada por Lakatos (1978), baseado na racionalidade, na qualidade da teoria científica que a aceita como " explicativa, funcionando como matriz de análise, ou seja pela heurística ", " uma vez que os cientistas estão permanentemente à procura do método que à partida dá melhores resultados, e que defendem após adopção, quer esta seja racional ou irracional" (pág. 19). Para Popper " não existe, pois, método científico, mas sim procura de teorias que se exponham à refutação como modo de progresso científico " (Popper, 1972).
Marx, segundo ele, no campo da ciência social "era um historicista apanhado por Hegel nas suas malhas, um conspiracionista não dogmático, que sabia que aqueles que participavam no jogo social não eram autónomos para definir o devir social ". Entendia que o processo de produção científico era isolado dos aspectos sociais, ao contrário de Kuhn (pág.20). Neste paradigma, " parte-se de uma sociologia da produção de conhecimentos para uma justificação ética de grupos de investigadores e da própria produção científica, ou seja, negando a possibilidade de uma qualquer tecnologia social alterar os conteúdos e a própria produção científica " (Merton, 1973).  " Kuhn acaba por justificar a formação de grupos sociais de cientistas, os quais se autoimpõem uma lógica castradora da ciência mais preocupada com uma regulação do método científico admissível e menos com a aplicação do método científico mais eficaz ". Ou seja, realiza uma crítica acérrima à comunidade científica que tenta manter o seu status quo: a ordem científica, a casta (Kuhn, 1970, Lakatos, 1978). O seu pensamento permite " a integração numa visão democratizada do processo científico, em que todos os cientistas têm capacidade de participar sem problemas nas cadeias de comando, que apesar de serem informais, são extremamente poderosas na determinação das linhas de pesquisa e dos resultados aceitáveis pela comunidade científica  " (pág.22).
Ao contrário de Popper, para Diniz, Lakatos é uma " personalidade " optimista e prática do acto de conhecer, analisadora do funcionamento concreto da prática da investigação mais ou menos filosófica ", criando uma metodologia dos programas de pesquisa, pelas "refutações expressas pelos contraexemplos que só são introduzidas por elementos mais jovens da comunidade científica, que são sociologicamente os motores do progresso " (Merton, 1963), utilizando como exemplo um problema de heurística em matemática. " O método de Lakatos construído para funcionar nos programas de pesquisa científica, tem 3 componentes: 1ª o que pode ser testado; 2ª o que é aceite; 3ª uma heurística do programa de pesquisa ". " As teorias crescem por incorporação de novos conteúdos falsificáveis. Ou seja, pelo método de análise - síntese... um mecanismo sem fim " ( Lakatos, 1978). Estes Programas de Pesquisa, devem ser progressivos (Keynes e Walras) e não degenerescentes (Marshall), isto é, devem ter capacidade de produzir conhecimentos (pág.27). " Lakatos incorpora e racionaliza a contestação de Feyerabend a uma visão redutora da pesquisa científica por parte de Popper e não revolucionária e conservadora por parte de Kuhn, embora com variantes... ". Estes programas de pesquisa vão apoiar-se futuramente na análise dos processos de cognição e processamento de informação, e muito do que hoje observamos vai deixar de ser relevante no futuro, porque diferentes serão os modos de ver os factos (Kukla e Gilmam, 1992).
Continua Diniz: " Paul Feyerabend contesta a existência de um único método ou paradigma, propondo uma procura sistemática dos diversos métodos com abandono dos que não forem eficazes ". Também não aceita " a teoria de Kuhn das ciências normais, como limitadoras da eficácia e da liberdade dos cientistas, limitados pelo uso dos dinheiros públicos que poderão limitar o uso do dinheiro na investigação ". Para Diniz, " Feyerabend é o menos limitado dos filósofos na procura de novas metodologias de pesquisa científica", " entende Lakatos e os seus programas de pesquisa, como teorias a tratar de modo não dogmático " e " expressa a liberdade individual dos cientistas pela critica às ideias de Kuhn ". Com efeito, " a única metodologia correcta neste impasse será sempre procurar caminhos ou métodos que funcionem... numa sociedade de livre escolha, onde se procura a democratização do processo de produção e escolha dos conhecimentos a produzir ". 
Aqui o autor lança novo ataque à comunidade de cientistas instalados, assaz crítico, devorador, dos oportunistas da ciência e que dela se aproveitam para benefício próprio.
Feyerabend refere que os mecanismos fundamentais da descoberta, são a " metodologia e a educação para uma maior liberdade " . " Significados, significantes, metodologia, enquadradas por uma educação libertada de preconceitos, permitem descobrir novos caminhos de descoberta, sem monocentramentos em culturas e nos métodos que as enformam ".
Diniz, passa depois à defesa de Feyerabend, relativamente a Carlos Fiolhais (pág. 35), que refere que o " Adeus à Razão" é mais sério que o " Against Method ", que foi publicado pela 1ª vez em 1975 e pelo qual se " apaixonou ".  Transcrevo Diniz : " Fui seduzido pela sua linguagem fina, soberba e escorreita, numa estrutura lógica e organizada, tecida meticulosamente, numa procura persistente da trama honesta e rigorosa com que faz o ataque ao método unicriterial ". Feyerabend é contra o método, não contra os métodos, pois defende a sua proliferação e a competição entre eles, procurando o que dá melhores resultados numa "cultura multicêntrica " (pág. 37).
Passa o autor, de seguida, à análise tradicional do processo de produção científica e aos métodos gerais de pesquisa na produção científica, que são 2: a dedução e a indução.
A Dedução tem por base a coerência, sendo esta o mais certo. " Parte-se do princípio que a própria análise da coerência é já um teste da sua verdade ". A matemática é por sua natureza um treino do " raciocínio numa certa ordem, decidir fazer certas operações no momento certo ". " pensar logicamente significa pensar a partir de relações e/ou fórmulas matemáticas ". Daí, a necessidade de um espírito metódico e da importância do computador, dando ao investigador de forma rápida, resultados rigorosos e probabilizados que controlam o seu trabalho, dão novas certezas quanto ao rigor dos estudos empiricamente comprovados e dão-lhe indicações sobre o trabalho que deve seguir.
A Indução, conforme Popper, parte de deduções de uma teoria para a sua verificação. A indução pelo uso, cria mecanismos de confirmação (Rescher, 1980).
Cada ciência tem a sua heurística, sendo ou não comum a outras ciências, há sempre algo que lhe é própria, como por exemplo: nas ciências do social, caso da Economia e da Sociologia.
Os cientistas vão procurar os fundamentos da ciência (episteme) nas suas crenças (doxas), pondo-as em competição de modo a encontrar um programa de pesquisa que as integre, criando a episteme, fazendo assim eles próprios o trabalho epistemológico (Teoria do Conhecimento).
Em síntese, " a produção da ciência pode ser entendida como uma actividade de procura de factos, relações e teorias, programada ou não dentro de uma heurística conduzida por uma lógica de pesquisa, tendendo sempre a ser programada de acordo com o que é conhecido, ou seja, a transformar-se, passando de problemas mal estruturados a problemas bem estruturados ".
 Sendo fundamental o valor da honestidade intelectual, " o investigador domina um código que constrói e reconstrói, uma linguagem e uma técnica de raciocínio e por isso é extremamente importante o questionar da técnica de pensamento, as regras de computação nos seus fundamentos, já que é preciso saber quanto ao modelo de pensamento, inserido na questão geral da sua validade: - Se o programa de pesquisa não esgotou já as suas potencialidades heurísticas ?".
Para Diniz, neste confronto de métodos, há algumas ideias a reter: o computador integra-se em quase todas as heurísticas para potenciá-las;  a indução é o método correcto nas situações de escassez de informação, ou de custo de análise elevado, medido em dinheiro e/ou tempo, em termos de tratamento e ordenação; a quantidade de usos (ex: experiências) não significa mais do que isso, não se transforma, por si só, esse facto em qualidade; deve-se por isso, relativizar e não absolutizar estas qualidades inseridas numa nova heurística ; a possibilidade de refutação é sempre a afirmação de algo de que temos informação.
" A refutação das filosofias da ciência e da produção científica cabe aos cientistas, assim como a sua reconstrução e alargamento para entrada de novos dados, numa procura implícita de sucessiva reformulação dos programas de pesquisa... A verificabilidade é em ciência económica, feita pelo confronto entre realidade e teoria, ou pela análise da sua coerência. A experimentação é o mecanismo que permite descobrir os limites de validade de uma teoria e refutá-la ou confirmá-la limitadamente. E o acto de pensar é um acto de codificação e descodificação ". Na racionalidade económica encontramos afirmações contraditórias. Exemplos: 1º o pleno emprego é desejável, 2º, mas o pleno emprego é impossível - 2 aspectos da mesma realidade;  1º convém maximizar o lucro, 2º o lucro máximo é o nosso objectivo. O acto de conhecer é o acto de qualificar, de tornar clara a realidade e, se possível, de a quantificar (objectivo da análise contabilística).
O acto de pensar pressupõe a realidade. O acto de pensar tem a ver com juízos de realidade. No acto de construção de teorias, pressupomos a existência dos valores, damos-lhe um modelo explicativo, desprezamos certos dados e procuramos os essenciais. O processo de análise do programa de pesquisa científico é racionalizador das suas práticas, assim como a análise dos processos de decisão empresarial podem dar achegas a uma racionalização do processo de produção científica.
A testabilidade é construída dentro das condições de construção de teorias do investigador. Por isso é necessário que os instrumentos de medida sejam aperfeiçoados e também a linguagem em que são expressos, as teorias e, nestas, as relações entre os números em que se estudam os factos e a realidade denotada.
A construção científica tem assim um processo de construção, ou gramática que vai cobrindo as suas necessidades chegando, por vezes, a situações em que essa gramática não funciona, quer por dificuldades conceptuais, quer por falta de instrumentos de análise. Daí a análise dos conceitos, aqui a introdução de novos significantes e significados que vão permitir a análise da realidade, terminando o conflito entre o texto e a realidade a definir. A verificabilidade é em ciência económica feita pelo confronto entre realidade e a teoria, e/ou também pela análise da sua coerência. A construção da ciência é sempre baseada numa tecnologia de construção da verdade, aceite por todos aqueles que participam na sua construção, mas que vem a ser uma linguagem quase universal das ciências empíricas e das ciências dedutivas, conforme os casos (pág.62).
Segue-se uma análise à teoria e prática contabilística, bem assim a aplicação dessa análise à economia. Quanto à 1ª, serve-se da análise de textos, documentos, facturas, recibos, da comprovação física das existências do capital circulante e fixo, dos documentos comprovativos dos elementos imateriais, como os créditos, patentes, despesas antecipadas, provisões e amortizações. Quanto à 2ª, surge a dificuldade de medir o património, custos e proveitos, ou seja, o renascer da velha questão dos reditualistas e patrimonialistas. Aqui, no domínio dos valores éticos, os significados que comandam a acção ou decisão, são construídos pela ideologia dominante (pág. 62). O risco no campo da economia é algo que não deixa de determinar o modo de decisão de investigar. O papel da incerteza depende do grupo social e do modo como este é integrado no modelo de decisão deste, dando valores diferentes para a variável a maximizar, isto em função do comportamento provável determinado pelo risco de perder. Temos que criar comportamentos éticos com valores passíveis de controlos. Contudo, podemos isolar o empírico do que é puramente raciocínio, a partir do momento em que possamos definir uma decisão sem ter que definir os processos de tomada de decisão (pág.65).
Então a linguagem, quer qualitativa quer quantitativa, é elemento determinante desta racionalização que altera os comportamentos e os determinismos, alterando as situações e as racionalidades.
Por isso, diz Diniz: " Toda a ciência é um cálculo lógico baseado na linguagem que introduz factores de realismo na descrição da realidade, aumentando a simplicidade, ou a variedade de situações em estudo, ou os processos de tomada de decisão em termos cognitivos e comportamentais, variando os riscos, mesmo na matemática, que se quer adequada á complexidade das situações, sendo a dedução baseada nos mecanismos automáticos de decisão: o falso e o verdadeiro". " A linguagem, com as palavras e a sua gramática, é o mecanismo de tomada de decisão, que convém analisar como primeiro passo para a epistemologia da ciência, a sua correcção, os domínios onde se aplica, onde se vai estender e em que circunstâncias. A Matemática, e toda a ciência, é uma gramática em que a análise dos elementos relacionais é necessária ".
Diniz, passa depois para o exemplo da análise marxista: que escolheu como heurística a análise das relações de produção. Estas relações, no dizer de Popper, são dados existenciais (Popper, 1959), portanto não refutáveis, e, a partir daí, apresenta um conjunto de explicações para factos reais. O marxismo concentra a sua existência no método e na sua aplicação, e todo ele é orientado para a análise das relações de produção, com as consequentes relações de poder e de distribuição da riqueza, daí levar a concluir que existe uma determinada leitura da realidade. Os modelos de Lakatos no campo da refutabilidade, dado o método e o ponto de partida não estão assim afastados da possibilidade de serem aplicados ao Marxismo, e até Popper distraidamente o admite, em relação aos seus critérios científicos.  O Marxismo escolheu como pontos de testabilidade a diminuição do valor da taxa de lucro, a alienação dos trabalhadores, a instabilidade do capitalismo, o aumento da mecanização, a monopolização da economia, a formação de um exército de reserva e a crescente miséria relativa da classe trabalhadora (Meek, 1967, 1973) (pag. 68).
Podemos concluir que a construção das teorias depende da heurística, do método ou métodos, dos dados da experiência, dos instrumentos e medida.
A racionalidade nas ciências sociais é o entrecruzar-se de diversas racionalidades.
Numa análise às novas formas de exploração da força de trabalho, uma nova racionalidade do capitalismo, podemos referir: o trabalho é cada vez mais intelectualizado; o investidor é condicionado pela necessidade de segurança; a sua estratégia é no sentido da minimização do risco e maximização do rendimento.
Diniz, expõe-nos de seguida, uma síntese conclusiva do que até ali tinha dito (págs. 76,77 e 78): toda a ciência é um cálculo lógico baseado na linguagem; a linguagem e a gramática são mecanismos de tomada de decisão; a matemática é uma gramática em que a análise dos elementos é necessária; os dados de raciocínio devem ser construídos de forma intelectualmente honesta; os mecanismos de demonstração têm de ser analisados conforme cada ciência; cada uma delas vai-se adaptando ás tecnologias disponíveis; a tomada de posição é definidora das metodologias ou das heurísticas; a validade do modelo depende da sua refutação; toda a ciência tem um método de produção e avaliação de resultados; a metodologia necessita de prática social; os cientistas não têm uma filosofia espontânea, mas avaliada pela sua utilidade que decorre do seu uso.

Passamos à 2º parte desta obra:
" A introdução das novas tecnologias provocou o desenvolvimento de metodologias alternativas de análise filosófica da investigação científica ". É a forma como se faz o processo cognitivo que determina o processo científico. A teorização dos fractais, por ex.,  permite reorientar o estudo de novas combinações físicas, assentes nas modelizações matemáticas explicativas de comportamentos anómalos e/ou turbulentos de certos fenómenos.
" A questão fundamental da investigação científica é a heurística como instrumento de produção de conhecimentos ". Conhecimentos que pretendem fundamentalmente racionalizar a actividade humana. O investigador científico, define e concretiza os objectivos cognitivos e de operacionalidade da produção científica, acompanhados de valores éticos e estéticos. Racionalidade como heurística e critério de qualidade. A caridade é não racional: " acto de dar sem receber nada em troca ". Mas na economia social há uma lógica de racionalidade: prestar o melhor serviço pelo gestor e o contribuinte ter benefícios fiscais. Optimizar os recursos dos doadores. Outra lógica é a do roubo, que é a obtenção de rendimentos sem trabalho directo ou indirecto, considerando o que é racional de modo impróprio e vice-versa. " A racionalização do discurso é feita a partir da linguagem operativa da observação, quer da linguagem axiomática da dedução ".
A heurística é um conjunto de instrumentos teóricos de pesquisa que permitem fazer a definição de uma situação, com ou sem determinação de uma racionalidade que apresente potencialidades de com estes conhecimentos se atingirem determinados objectivos. A heurística apoia-se na sua conceituação, na tecnologia de base que lhe dá forma e a potencia. Actualmente a heurística funda-se na informação e na computabilidade desta informação, posteriormente nos resultados alargados a que dá origem, com o preenchimento sistemático de todos os vazios de informação.
A decisão é uma forma de condicionar o meio envolvente através da procura de soluções e actuações, acompanhadas de formas de comunicação de ordens, conseguindo, dessa maneira, controlar o devir social dos problemas, onde há um tipo diferente de acção que pode alterar o devir das probabilidades, de condicionar os efeitos das actuações futuras pela previsão das acções do adversário.
A psicologia tem de estar ligada ao fenómeno económico como fundamento de uma racionalidade de decisão que se transforme em acção.
Bela similitude: - Conclusão para Diniz: nem todas as revoluções são para ser feitas, nem todas as mulheres devem ser conquistadas (!!!) E os homens, pergunto eu? Devem ou podem, ou querem,  ser conquistados?
A linguagem científica é a continuação da linguagem do senso comum, procurando o rigor como meta. As metáforas permitem escrever e ensinar melhor.
Continua Diniz: A engenharia da escolha resulta de uma sucessiva evolução de uma análise estatística, que se apoia na concepção de utilidade, de probabilidade e de uma racionalidade, juntas num modelo optimizador levam a escolher um máximo de utilidade. A engenharia dos processos de decisão, é uma engenharia da escolha, análise da consequência lógica de decisões, onde se incorporam elementos de jogo que permitem, para quebrarem a rigidez das regras decisionais, aumentar a capacidade de descobrir novas actuações e decisões, com maior poder racionalizador (March, 1971) (pág. 95).
Diniz introduz aqui a metafísica como elemento de ligação entre a ciência e a vida de cada dia. A metafísica de Kuhn é constituída pela ideia de um grupo básico de cientistas, possuidores de um paradigma, reunido numa matriz heurística, com alguns enigmas para resolver. Em Kuhn não é importante a heurística, mas sim o paradigma, que serve de traço de união dos cientistas que resolvem problemas que lhes são dados pela sociedade. A metafísica produzindo questões científicas, é o principal da ciência e os cientistas, os seus agentes.
Para permitir um maior grau de certeza, os filósofos tentam criar uma teoria atemporal do que se passa no trabalho dos cientistas, descrevendo o que fazem e pretendendo racionalizá-la (pág.104).
De uma forma geral, são as comunidades científicas que criam as normas e as formas de aprovação dos resultados que nascem em resultados de interesses sociais que os usam no seu quotidiano. As comunidades científicas crescem demograficamente em termos absolutos e relativos em função da aprovação social da qualidade e validade no uso quotidiano. A ciência é cada vez mais uma forma de vida, os cientistas prosseguem o seu interesse próprio na investigação. O seu trabalho está inserido na vida social e económica, mola real de uma forma de vida assente na inovação como forma de resolver os problemas práticos (Taylor, 1973). A ciência fornece não só as formas de produção, mas também os mecanismos de controle dessa mesma produção. A produção científica funciona, como qualquer produção, com custos e proveitos, com capital e com trabalho, com uma racionalidade que lhe é imposta pela sociedade científica, pelo mercado, pelo político, tudo expresso em orçamentos (Diamond, 1988). A Escola é o local onde os conceitos de uma produção científica são ensinados. Ensinar a pensar é o papel da Escola. Qualquer tipo de raciocínio: o estatístico e o lógico.
Para Diniz, nada é impossível, neste final da 2ª parte. O conceito de paradigma nasceu para ser quebrado. Quebrar paradigmas é fazer proliferar as formas diversas de fazer andar a racionalidade e por novas formas de usar as novas tecnologias da informação. A sua capacidade de cálculo e a sua rapidez e operacionalidade é fundamental na construção do novo paradigma desta era turbulenta. Este é o resultado da desconstrução dos anteriores ou do fim destes, do princípio da infinita proliferação dos programas de pesquisa.

No início da 3ª parte, Diniz volta á utopia e ao real na análise marxista (pág.111). Refere que, nas novas relações de produção, há necessidade de falar em relações entre agentes e principais. O agente representando o trabalhador e o principal representando o patrão. Os direitos de propriedade, passaram a ser direitos de controle. Ser dono é ser controlador. Defender os direitos de propriedade é a condição para o desenvolvimento de um mercado de capitais. Gerir o uso de bens públicos ou colectivos é difícil, porque estes, pela sua natureza, não são distribuíveis a retalho, mediante um preço dependente do seu uso. Na relação de agente e principal, podem surgir dois tipos de problemas básicos dentro do esquema geral de um possível oportunismo: o agente comporta-se de acordo com os seus interesses e não de acordo com os interesses do principal. O 1º problema é o azar moral, que consiste em ter de dar informação a um agente que se comporta dentro de um esquema previamente elaborado com desvios, o azar moral para o controle em que o principal tem informação suficiente; o 2º, a selecção adversa, em que o principal não tem a informação suficiente.
Por isso, monitorar e observar são agora as palavras chave. A nova lógica social terá assim que gerir 3 factores ou elementos estruturantes: o mercado, as hierarquias (ou estruturas organizativas) e o político. É da capacidade de gerir, fazer competir e integrar estes factores, que pode surgir uma tecnologia social realista e operacional. Já não é uma simples engenharia, mas uma tecnologia que é racionada a um nível mais elevado e portanto com uma nova capacidade heurística.
Cria-se assim uma nova teoria económica: o paradigma dos agentes principais (Ricketts, 1987). O programa de pesquisa nascente, despoleta um novo paradigma explicativo, designado por economia da organização, onde aparecem, como sub-programas de investigação, agora com ligação aos dados psicológicos e sociológicos da análise do homem em organização (Sociologia das Organizações) e do controle dos seus aspectos mais negativos: o desleixo e a desonestidade (Donaldson, 1990), o que se passa necessariamente por um novo sub-programa: o da análise do papel da moral na organização e estruturação das relações entre agentes e principais (Kahn, 1990). Neste contexto, os valores da verdade são um objectivo da investigação.
O fundamento da predictabilidade dos comportamentos racionais dos diversos actores é a assumpção da existência de um modelo assente na utilidade dos resultados das decisões, que pode ser probabilizável, porque mensurável na incerteza, racionável de acordo com propósitos claros, que leva a evidências de resultados com expressão quase completa das suas limitações (pág. 114). Daí a teoria económica da organização para lidar e resolver os problemas de controle (Knight, 1925). Os interesses dos homens são o mecanismo fundamental de causa de gestão e de mudança, condicionando e apoiando-se nas relações interpessoais, contrariando os dados dos problemas, sempre numa pluralidade de causas que influenciam o resultado final. Por isso, resume o seu pensamento dizendo que a compreensão, predição e controle do pensamento e emoção, comportamentos humanos, são uma arte, que incluem a comunicação mental.
Diniz volta ao marxismo para nos dizer que se renova como modelo e como programa de pesquisa: A Tragédia é uma purga que destrói a força do poder revolucionário (revolução 1917) atacado por dentro do partido por aqueles que procuram o poder, num esquema oportunista, motivado fundamentalmente pela satisfação de interesses pessoais. A purga é desencadeada por forças que têm tudo a ver com o secretismo. As falhas do socialismo ou da hierarquia:  Marx não compreendeu que o progresso técnico se incorporava numa mão de obra cada vez mais culta, mas também esta lei não é só por si verdadeira, pois o trabalho sofre simplificações por via da tecnologia que a partir do complexo simplifica, o que contraria a efetivação desta lei tendencial. A tecnologia é assim, a construtora e reconstrutora das novas relações sociais.

Diniz, em resumo conclusivo, nesta obra:
Falou do Normal e do Desejável na produção científica. Observou a Ética da Ciência e as práticas de produção científica. Falou da filosofia de Popper e Lakatos no social e político. Questionou o programa de pesquisa de Popper e reanalisou a sociologia /psicologia do fenómeno científico. Descobriu a filosofia de Paul Feyerabend e a sua expressão marginal pela retoma da análise do significado como condicionante da análise qualitativa e quantitativa do empírico. Fez o estudo dos métodos da pesquisa e produção científica, com eleição de dois grandes métodos: a dedução e a indução. Fez a confrontação dos métodos em Popper e Lakatos. Realizou a análise da prática da Filosofia na Ciência Económica. Voltou à análise do modelo marxista com Popper e Lakatos, reanalisando as novas formas de exploração da força de trabalho, procurando uma nova racionalidade no capitalismo. Analisou a engenharia da decisão e a economia como fundamento da engenharia económica ou da gestão. Reestudou a linguagem como elemento base da Ciência Fundamental e da Engenharia da Escolha e, ainda, a Metafísica como fundamento dos paradigmas e dos programas de pesquisa. Questionou a Engenharia da Escolha como base de uma nova Engenharia Social. Como base de uma utopia, as novas tecnologias e novos programas /paradigmas de pesquisa ou reformulação filosófica. Fez nova incursão pela Economia da Ciência e chegou à Engenharia dos Recursos Humanos, reencontrando a Escola, agora como produtora de habilidades. Alegrou-se porque sentiu que nada é impossível. Discutiu a Utopia e o Real, assentes num novo paradigma que gera programas de pesquisa ou num novo programa de pesquisa que gera paradigmas, reencontrando a nova teoria Económica e a gestão do real e reencontrou a questão da Gestão na Construção da utopia, depois de, mais uma vez, ter sofrido com a tragédia.

Volvidos 21 anos desta análise, perspetivando-a numa visão ideológica marxista, se bem com vertentes criticas na investigação nas ciências sociais, nomeadamente na economia e sociologia, confrontando-a com outras teorias mais ou menos recentes e reformuladas, podemos acrescentar: há necessidade de novas reflexões, propor novos paradigmas, criar ciência, pois o conhecimento não tem limites na sua inumerabilidade e incomensurabilidade. Foi um maravilhoso percurso, se bem que nada fácil, seguir esta análise do pensamento de Aires Antunes Diniz.

Maria Idalina Alves de Brito
Bragança, setembro a novembro  2015






terça-feira, 27 de outubro de 2015

Ensaio sobre "Retrato de Rapaz" de Mário Cláudio e "Passos Perdidos" de Ernesto Rodrigues



PEQUENO ENSAIO
À VOLTA DE
"RETRATO DE RAPAZ" de Mário Cláudio
 e de "PASSOS PERDIDOS" de Ernesto Rodrigues

Inusitadamente leio um e outro e semelhanças surgem: enredo, escrita, discípulos. Retomo leitura, reflexão. Mais escrita e discípulos, talvez. Passa tempo.
Mário Cláudio diz muito em pouco espaço e tudo em tempo reduzido. As palavras querem-se ganhas, contidas, trabalhadas, buriladas em final de pena.
Ernesto Rodrigues enreda ironicamente uma história ficcional em tempos presentes, postos em causa por regime político, dito democrático.
Existe um discípulo.
Num, um pai adoptivo, um mestre, um herói, um ídolo.
Noutro, um pai verdadeiro, (dois pais) que rejeitou a sua existência e vem mais tarde redimir-se de tal acto.
"Retrato de Rapaz" é uma pintura cromática de Leonardo da Vinci, intensa, odorosa, plena de afectos, em miscelânea de decepção, dor e angústia. Mário Cláudio é o Mestre, o Homem.
Ernesto Rodrigues, em "Passos Perdidos" de rebeldia, mediocridade, amorfismo, hipocrisia, vaidade, inveja e maledicência, põe-nos perante um enredo presente de uma realidade nua e crua que transforma em ironia, questionando-nos de forma aspiciente sobre o nosso passado e o nosso presente. Maravilhoso e multifacetado romance!
Cinco séculos é tempo demais? Para quem, se comportamentos humanos semelhantes?
Leonardo, de quem não se conhece qualquer relação amorosa, foi talvez o caso mais famoso de esquerdismo, diz-nos Mário Cláudio citando Sigmund Freud. Porém, o presente herói, é o  discípulo eterno do Mestre, rapaz belo, de rosto bronzeado, cabelos aos caracóis, 10 anos de vida. Modelo e discípulo picado de pulgas no pescoço e a quem nem a lavagem consegue remover o sarro acumulado. Garoto confrontado por umas pupilas azuis do tom das pétalas da pervinca, mestre, amo, pai, amigo, deus, monstro e feiticeiro. Tal mafarrico, Salai, merece mais um par de corninhos do que umas asas de anjo, mas Leonardo mandou talhar-lhe "duas camisas, dois calções e um gibão". Um criado novo para varrer o chão da oficina, que pose para um ou mais desenhos, um catraio e diabrete, a quem foi necessário dar banho, catar os piolhos e ensinar o nome dos bichos da terra.
A Arte da Política (diga-se Furtar com unhas políticas), encerra dois preceitos: o bom para mim e o mau para vós, e, a razão de Estado, pois, não estou seguro, tendo junto de mim quem me faça sombra. Pergunta Ernesto Rodrigues: um jovem político com futuro ou um jovem com futuro na política? Aí está a diferença. Subir a escadaria da Assembleia da República, entrar nela, na sede da democracia, apesar da falência do regime, auscultados por dois lagos azulinos e "seios suspensos, ali na minha cara túmidos de vergonha", no outrora Mosteiro de São Bento da Saúde ou de S. Bento dos Negros. Os Passos Perdidos, obra de artista com história, onde se passeiam vaidades, ódios, rancores, hipocrisias e negociatas. De mão flácida e com cheiro a suor de 3 dias, deputado surge: - Às ordens de Vªs. Exªs., ... "já que para ele os votos são matéria volátil, como a própria vida, ele que se ia candidatar pela 15ª vez em quatro décadas". CEO pronto, oferece os seus humildes préstimos, colocando jovem colaborador ao seu serviço, já que ele não pode surgir mais nesta mistura de negócios, melhor, banco de investimento, com política. Escolha? Defesa da nação há décadas, sem sair "da última fila do hemiciclo", já que o maior perigo vem do próprio partido e das amizades fingidas.
Ladrão e mentiroso, teimoso e ganancioso, discípulo de má sorte, mas a quem a amizade moldou inquebrantável. Era necessário ensinar-lhe a não ser vaidoso, nem arrogante, pelo que a bela vestimenta que lhe mandou fazer, foi destruída, logo que a vestiu. Seguia-o como cachorro, por isso as pessoas pensavam e ofereciam olhares intencionais "insinuando um relacionamento entre eles que talvez fosse preferível deixar por esclarecer". Mas havia verdadeiros discípulos, como um tal Marco d`Oggiono, favorecido por um talento invulgar a quem o Homem "protegia com desvelo superior ao que dedicava aos restantes". Argila, bronze, pincéis, moldes, papéis, lâminas de refracção, tintas, como a vermelha, que continha "clara de ovo, cinza, vinagre, terra, pó de tijolo, alcatrão, óleo de linhaça, terebentina e sebo".
O capitalismo tem de repensar-se perante a penúria de quatro quintos da humanidade. Tal desiderato ocorrido ao aprendiz de economia em entrevista com estagiária de jornalismo, brasileira, de Ipanema, a quem expôs o benefício de escrever artigo sobre determinado deputado. As congeminações financeiras de "não confiar", "antes de mais, evitar ser apanhado em fraude fiscal e abuso de confiança" ou "venha a nós o vosso reino", continuava insidiosamente o aprendiz referindo à estagiária os bons serviços prestados ao jornal, à banca e à democracia, embora ambos não passassem de uma peça de engrenagem, disso tinha consciência. Mas continuava com a lição bem estudada, este nosso herói de 1ª pessoa, em "mandar descobrir qualquer coisa encoberta da vida" do "Frade Negro". E falava do comportamento político desse "Frade Negro" que era nenhum. Ele próprio, que não era "sua opinião, porque não tinha opinião". Na discussão da vida política parecia, a pouco e pouco, esmerar-se, chegando mesmo aos artigos da Constituição da República e ao seu preâmbulo" "abrir caminho para uma sociedade socialista" por que não "abrir caminho para a felicidade".
Não seria mais simples e eficaz? Pois não é o que desejam todos os seres humanos, serem felizes? Como? Cada um à sua maneira! Como conciliar então, interesses tão díspares e visões heterogéneas de felicidade?
O artista e mestre continuava no seu trabalho árduo apoiado pelo seu discípulo, que lhe seguia os passos na preparação de grandes festas de casamento dos nobres de Nápoles. Também o levaria a ceata de atrevido marmorista rico de mãos finas, lisíssimas e ágeis para a idade. Dar-lhe-ia a sua própria mãe como avó, no "Amai-vos, como eu vos amo". Porém, ao aprendiz de nada servia tamanho carinho, já que se tornou o chefe da quadrilha horrenda de monstros, provocando no Homem e em sua mãe Catarina, lágrimas e rezas para afastar tal abismo.
Que paradigmas ousas sonhar e criar Mário Cláudio? Que campos, programas de pesquisa, produção de conhecimentos organizados, sistemáticos, queres actualizar de conceitos e de valores, transformando a filosofia especulativa em filosofia científica? Que forma lógica e rigorosa dessa prática te questiona na uniformização de dizeres que todos os filhos são ingratos perante aqueles que se entregam e dão incondicionalmente?
Não esqueças... há filhos e filhos, e filhas, ( o feminino é fundamental ).
Procuras reforçar uma lógica da confirmação e da teoria da verisimilitude, ou queres entrar na ética da produção científica?
A educação não é aprendizagem de uma visão da realidade, já que esta é múltipla, plural, complexa?
Esta linguagem de cálculo lógico, para se tornar ciência, tem de introduzir factores de realismo na descrição da realidade, o que se refere como objectivo: o que é falso e o que é verdadeiro.
Tudo tem um significado? Um entendimento? Os porquês precisam-se. Porque filhos da mesma mãe e do mesmo pai, têm comportamentos diferentes para com eles? E... geralmente...são aqueles mais amados, mais ingratos...
O comício do deputado democrata cristão em plena 6ª feira da Quaresma, ele tão silencioso? A vida do Parlamento e da geração do nem, nem, nem (nem estuda, nem trabalha, nem emigra) confrontavam-se com a vida do economista estagiário que em 2 dias "já comera aquela estagiária; conhecera este-legislador" e não só... a adjunta e chefe, a secretária do deputado. Em suma, um "comunismo de afectos".
Eis o jovem de hoje que mergulha na solidão do espaço temporal em que se sente perdido, único e só, como um sobrevivente de terramoto surgido em plena noite, e, se questiona o que lhe aconteceu, pela manhã. Que sentido dar a uma vida dedicada ao estudo, a uma licenciatura, um mestrado, um doutoramento? De que lhe serve se, no mercado de trabalho aufere melhor salário um aprendiz de qualquer coisa? Houve / Há escravos em todos os tempos da história da humanidade. Retrocedemos milhares de anos. Os escravos de hoje, são os jovens com habilitações superiores e vencimentos de miséria; são a classe média, a quem lhe tiraram os rendimentos na perspectiva do acesso a casa própria, carro, e, a dignidade para viver; são os idosos, que nada mais podem acrescentar à sua parca reforma para ajudar filhos e netos; são as crianças nascidas e em projecto, porque ainda não é tempo de nascerem, pois os pais não têm pão, nem coragem  para os colocarem neste mundo e os poderem criar; somos todos nós, adultos, que lutámos na esperança de uma vida melhor, passando infâncias atribuladas, mas ricas em valores humanos, e uma juventude em trabalho, suor e lágrimas , com  ilusão a felicidade.
Já jovem, com a idade de 16 anos de ganapo passara, mas não em mentiroso, vaidoso e ladrão. Visitou a família paupérrima em sua terra natal, Oreno, fazendo-se passar por quem não era, montado em ginete que Leonardo lhe emprestara. Mal sucedido na tentativa da conquista da filha do cônsul, Bianca, Giacomo, rebaptizado Salai, não lá voltaria tão cedo. Mas desgosto maior foi quando regressou à Corte Vecchia e ao atelier de Leonardo, pois Catarina, sua 2ª mãe, encontrava-se morta. Mas as acções menos nobres, as comezainas, festas, favores corporais e roubos eram o seu quotidiano, a que Leonardo, por mais que o chamasse à atenção e lhe mostrasse a sua tristeza, o demoviam.
Mas a vida de um jovem economista sem provas dadas, não é fácil. Ele são as bolsas, os fundos de acções, obrigações e derivados, os mercados cambial, monetário, e das matérias primas, o mercado imobiliário, spreads, agências de rating, enfim, o sonho de todos se tornarem ricos. Que dizer da inexistente justiça inteligente e do crescimento de lóbis, que é o mesmo que dizer "insidiosa corrupção "e da maranha de holdings que entontecem qualquer um", e os esquemas de fugas dos impostos pelo "desprezo da humanidade". "Quanto mais estúpido for o candidato, melhor responderá ao elogio". Enfim, "os partidos, sem princípios, perderam há muito a ideologia: urge recuperá-la, e aos princípios". Pois, "a arte suprema é propor lei absurda (do nosso interesse) que os hábeis legisladores tomem por séria" e que os escritórios de advogados mais baralhem. E que dizer da Lacailândia onde "cheirar a sombra de um rico é sorte prodigiosa", como se a riqueza se transmitisse por osmose. Pois, há que intervir em todas as frentes para apanharmos o "Frade Negro", dizia o estagiário. Mas antes, há que desopilar, arejar nesse cafarnaum dos festivais de Verão onde o ruído é superior a "uma dúzia de anões ou acampamento militar" onde se misturam drogas livres, comes e bebes e mais drogas, álcool e prostituição, consentidas pelos seguranças e pela organização desde que não façam estragos, pois a procura é a felicidade do instante e a saúde da recuperação um negócio de "corações aos saltos".
As sentidas razões contra o abandono na infância marcam, como auroras boreais, ou homens nas cavernas, os pequenos e grandes seres, de sensibilidades excessivamente impressionáveis. Voa o tempo, mas este é insuficiente para apagar o tempo que passou e passa, na inquietude das vivências quotidianas, tais jogos de sedução e de ilusão de espelhos, mas também com gestos de ternura, e de liberdade da dignidade do Homem, não é, Ernesto Rodrigues?
Ah, os homens! Esses seres tão magníficos, cruéis, ternurentos e frios. Egoístas e egocêntricos! Vivemos num tempo de mim, mim, mim. Falo só de mim, quero-me a mim. É tudo para mim! Que geração de jovens criámos, a quem demos tanto e nada querem dar? Ensinámos-lhe que tudo poderiam obter facilmente, sem trabalho, nem responsabilidade? Depois, no confronto com a realidade da vida, da crise existencial, tudo ainda nos querem tirar, porque não os ensinámos a viver sem nada. Querem a felicidade que lhe prometemos e para a qual os orientámos, que agora não existe como modo e projecto concretizável! Culpa enganosa do singular com origem em plural ganancioso, que ilude na mira do lucro e do poder, e, nesse consumismo predador!
A sua acção pérfida continuou, enganando uma donzela, e, que antes, que o obrigassem a casar "pôs-se ao fresco", para seguir outros caminhos escusos, como o contrabando do "lápis lazúli". Designado o seu pó afrodisíaco, mas na verdade produzia sonolência, turbava os sentidos e dissolvia a razão numa anestesia quotidiana do jovem Salai. Leonardo sofria. Porém, o seu discípulo continuava nessa vida de fantasia com outros companheiros de jornada e aprendizes na oficina do Homem, falamos de "Zoroastro" de seu nome Tommaso Giovanni Massini, ou do cardeal português Dom Miguel da Silva, bispo de Viseu.
Estagiário João Félix e Deputado João Félix Filostrato em Vila Franca. Seu comício, seguido de entrevista da estagiária jornalista, Joana, comprada na mira de ter um emprego fixo. Eis os jogos florais da politica: do comunismo e do capitalismo. Mas entrevistar Deputado não foi  tarefa fácil. Tanto mais que "Frade Negro" fugia aos cânones do geral, do singular, do esperado. A publicação da dita entrevista arrasou com a pasmaceira e vendeu. Qual seria o segredo do "Frade Negro"?
Confrontado com o envelhecimento visto ao espelho,  não só pelo avançar da idade mas também pela vida nefasta e dissoluta que levava, o discípulo manipulava os desejos do canhoto , trazendo-lhe outros modelos mais jovens mas que ele considerava serem inferiores a si próprio. De nada lhe valia a lavagem da pele com o elixir de bergamota. A sua maldade influenciava a sua pintura nos rostos que tentava pincelar. Nem a mão que Leonardo lhe pegava e o guiava no contorno do desenho melhoravam o seu dom criativo. O mestre orientava-o e amava-o como a um filho, a que este não correspondia. Mesmo com os castigos incutidos, Salai negava-se a seguir qualquer caminho com seriedade. Leonardo pedia a todos os demais discípulos para lhe esconderem a droga do lápis lazúli, pois levaria a oficina à bancarrota.
Mário Cláudio relata prodigiosamente a vida dissoluta do discípulo de Leonardo da Vinci e as preocupações deste no presente e futuro do jovem drogado. Quão hoje, são também as preocupações de muitos pais, cujos filhos seguem vidas de marginalidade e dependências de vária ordem.
O debate da dita lei revolucionária esperava-se no dia 7 de abril, terça-feira. Que confusão ia por aquela Assembleia da República (AR), jornais, TVs e pelo País. Agora sim. Agora todo aquele pessoal ia ouvir, ao fim de 40 anos, o insignificante famoso "Frade Negro", nesta "babilónica barafunda de interesses, paixões e delírios que se contrapunham aos valores fundamentais da dita democracia".
Ernesto Rodrigues é magnífico nesta descrição. Usa o simples linguajar, a complexa gramática, a filosofia grega, a informática e as "redes sociais". "O medo do inconseguimento", a linguagem arcaica, gótica, ultramoderna, pós-moderna da Srª Presidente da AR. Maravilhosa análise crítica! O passado e o presente da vida política, social e económica do País em páginas de verdadeira hecatombe crítica do Estado da Nação!
Um discurso de belas palavras e mais intenções. Uma lição de economia e finanças sobre como gerir as receitas e as despesas de um Estado. Porque, "Governar é Resistir".
Governar é resistir? Às pressões, aos hobbies, às manhas de manipulação, às amizades interesseiras, à fraude e corrupção. É preciso ser tão forte, que nada nem ninguém, nos consiga desviar do caminho da justiça e do bem da polis, da cidadania. Quão poucos o conseguem!
"Um Discurso e Pêras", cabendo a palavra em "má ocasião" de situação tão crítica em que se encontra o País e o Povo, devendo cada um trabalhar mais para o bem comum, da nação, do que das ambições e vaidades individuais.  Essas pugnas de oposição e posição têm sido infrutíferas e nada de novo trouxeram ao desenvolvimento das economias, à semelhança de demais Países. Há que aplicar devidamente o crédito como antecipação do futuro, igualmente não se deve apoiar uma despesa sem se criar a receita correspondente. Continua o deputado democrata-cristão com o discurso dirigido à Srª Presidente, referindo que os governos devem trabalhar para retirar da sua administração todas as despesas, transferindo-as para os municípios, distritos, iniciativa individual. Descentralização é a palavra chave. Também é apologista dos partidos regionais que conhecem melhor o seu território e as suas gentes, criticando neste caso a Constituição que tal não consente. Depois, a disparidade entre a(s) ilha(s) e as regiões do interior. Estas, sem parlamento, nem representação suficiente, ao contrário daqueles que fica(m) mais próximos do núcleo (Lisboa).
A este propósito, Ousamos, Povo da Interioridade, tomar para nós essa reflexão, conhecimento e sabedoria, e, essa luta, na concretização da Justiça? Da Lei. Já que a Lei deve ser Justa. E o Interior, é País, e o País é um Todo completo. Diferente e Uno. É Território e é Nação. No contexto do desenvolvimento sustentável de todo o País e concretamente das regiões do interior, onde começa e acaba a designada solidariedade nacional ou local? E a nível Europeu onde nos encontramos inseridos (EU)? Ou a solidariedade é só “em parte” “alguma” e não a totalidade? Ou a solidariedade é só para aqueles que podem? Poder-se-á chamar de solidariedade “a ajuda económica e financeira” dos países ricos para com os países pobres ou em dificuldades se, pelo empréstimo de dinheiro cobram taxas elevadíssimas em juros? E que dizer da “dependência “dos países europeus (Portugal, Grécia, Irlanda, Espanha…) relativamente a Entidades Internacionais e Europeias (FMI, BCE), face a “politicas de apoio financeiro” se, cobram nesses “apoios” milhares de euros, defendem as elevadas taxas de juros dos financiadores e levam os povos à desilusão, à ruína, ou à revolta (silenciosa ou não), após o seu endividamento, à miséria e à fome? Que alternativas de soluções e de esperança, têm os políticos e os responsáveis europeus e mundiais, para apresentar aos Povos neste mundo conturbado e de interesses económico-financeiros? E agora, com a emigração em massa dos refugiados de África e Oriente, seres humanos em busca de paz, pão e abrigo? A luta pela sobrevivência é uma luta feroz para quem nada tem, milhares de seres humanos que se transferem, como animais da selva em busca de melhores pastagens, assim, Homens, Mulheres e Crianças, como nós, se movem na ilusão de melhor vida. Em busca da felicidade!
Entra depois com a crítica do funcionalismo, do empregado público que rouba braços à indústria e a agricultura.
Será o sector terciário o ladrão do primário e do secundário? Pois não cria riqueza e só deles se aproveita? Que linearidade de visão política! Hoje, vemos numa só empresa, todos os setores em miscelânea, que se completam: ex: a indústria do vinho do Porto. A criação e tratamento da vinha, primário, a transformação em vinho e seu engarrafamento, secundário, e, a sua venda , marketing e turismo enológico, terciário.
Porque "governar é resistir". Assim, o ensino universitário deve ser pago pelos próprios à semelhança da Inglaterra.
Neste caso, os filhos dos pobres e da classe média baixa, nunca chegariam a ter cursos universitários, nem ascender na escala social, por mais inteligentes que fossem.
Bem assim da beneficência pública que só deve ser apoiada até começar a iniciativa individual. Gosta muito de economias. Passando às artes, só se deviam operacionalizar quando houvesse dinheiro para o efeito.
Isto é, nunca! Pois nunca há dinheiro suficiente, muito menos para as artes, de forma global.
Haja vontade para se fazerem economias. Na despesa é só cortar. Não olhar a meios nem a pessoas. Diminuir o funcionalismo. Nas receitas, aumentar as contribuições para aqueles que pagam pouco
nem que não tenham nada,
 e aqueles que pagam demais pagarem menos,
apesar de terem muito,
legislando-se se for necessário. Para o ex-ministro, ora deputado, que perguntou quando teremos governo? Teremos governo quando se colocarem de lado a política das paixões partidárias e das prevenções pessoais.  Teremos governo quando "a causa pública deve ser a nossa comum aspiração". Teremos governo "quando nos inspirarmos nos exemplos de abnegação, desinteresse e brandura que nos deixaram Passos Manuel e José Estêvão, e, muitos outros". Teremos governo "quando acabarmos com a injúria e a calúnia, afastando das cadeiras do poder os homens dignos que as devem ocupar" até se ir às galés e presídios recrutar os conselheiros da República. Em suma, quando cumprir a sua missão sabendo  "responder às esperanças com actos, às promessas com medidas práticas e às desilusões de hoje com providências sensatas, justas, profícuas e dignas do seu país".
Nestes aspectos concordamos, ora.
Mestre e discípulo transferiram-se para Florença onde novos voos os esperavam, como a representação da Virgem, aproveitando pois, Leonardo, para o levar à sua terra natal, Vinci, dando-lhe a conhecer o lugar de Anchiano e lhe relatar as lembranças da sua feliz infância e de sua mãe Catarina.
Que alegrias não o abrangeriam nesses momentos por poder partilhar com o discípulo, filho do coração, essas lembranças da meninice, resgatadas no paradigma da existência simbólica como ímpares e, jamais vividas?
Em Mântua continuou o seu trabalho laborioso de retratar sua duquesa. Outubro de 1503, a Signoria contratou "Leonardo para a ilustração de um fresco ilustrativo da Batalha de Anghiari, com o qual cobriria uma parede da Sala del Maggior Consiglio no 1º piso do Palazzo Vecchio", vendo ele um "empreendimento que asseguraria o futuro do seu protegido". Seguiram-se outras aprendizagens do discípulo como a participação no voo de uma geringonça construída pelo mestre que argumenta "Dirão um dia que não conseguimos, mas cada voo a si mesmo se inventa, e nenhum se repete, partamos pois, meu Filho, para outra viagem, não há bússola que nos comande, nem universo que nos detenha".
O discurso terminou com um baque no chão pelo corpo do deputado. Disseram que chegou morto ao hospital. Aguardava Parlamento a notícia oficial. Que chegaria. Óbito às 18 Horas. Teve minuto de silêncio e uma salva de palmas como nunca teve em 40 anos, este "Frade Negro". 65 anos de vida, boa altura para se reformar, modelo de "cavalheirismo, ética, discrição e resiliência".
Segue-se uma ironia cómica sobre a diferente posição / intervenção dos diferentes partidos.
Até que uma deputada socialista substituta pediu para falar, que comovida nem acabou seu discurso de defesa de João Félix Filostrato. Mas partiu em táxi, acompanhada de jornalista para apartamento de discípulo onde contou a sua história de amor. Aliás, de ambos." Foi amor à terceira vista".
Apenas e só. Coisa pouca, claro? Porquê então essas memórias de 40 anos? Desse amor recalcado tanto, tanto tempo?
O economista chefe queria agora aproveitar-se de deputada substituta.
Continua a intriga neste filme romântico policial, por desvendar.
Francesco Melzi, de origem fidalga, chegou para mal dos pecados do aprendiz. No seu trabalho de anatomista apoia Leonardo na dissecação de cadáveres, tornando-se o único zelador do seu arquivo.  "Um dia, impotentes para se sobrepor às respectivas fragilidades, Salai ao seu excesso, e Melzi  à sua contenção, engalfinharam-se um no outro, e na margem do Adda". Veio salvar o discípulo dessa rivalidade e ciumeira o convite recebido pelo amo para ir para Roma fazer maravilhas nos jardins de Belvedere do papa Giuliano Lorenzo de Médicis, irmão de Leão X. Assim, começaram os banquetes que Salai adorava frequentar. O 1º aconteceu no palácio do então embaixador português e futuro cardeal, Dom Miguel da Silva, onde a decadência do discípulo foi consumada.
Passara uma hora agitada a ouvir falar de si, interviera, caíra: onde o drama? Devo andar a água, se quero lucidez. O desemprego não metia medo, enquanto caísse mesada de pais que há muito não via, talvez felizes, talvez separados. Não saberiam que já trabalharia, e ganhava bem? Para quê maçá-los com doces afectos?
Pois, para quê? Para quê a família, as relações familiares, os amores, as paixões, os afectos, a amizade? Não é tudo isso uma baboseira pegada, para quem não se quer prender a nada e a ninguém, nesse antissocial comportamento psicopata?
"Uns serzinhos públicos e políticos não jogavam melhor, pois batiam o lajedo diversas senhoras de coluna social (com risco de, naqueles saltos eifellicos, estragarem a coluna) que, de política só gaguejavam " a gente somos", para dizer "nós somos" e borbulhavam "po-po", não povo, mas popó, jaguar ou porshe, audis, mercedes e BMW também serviam. Devoravam televisões, e algum construtor civil".
Aqui Ernesto Rodrigues é mordaz, devorador, acusador: mulheres ignorantes, de coluna social frequentes, que só gostam de quem lhes dá boa vida, as leve a passear e tenha guita, isto é, muito dinheiro, como os construtores civis, profissão que vale milhões.
"O economista chefe estava a gozar com a minha cara", pensava o estagiário de economia.
O olhar do rei de França, Francisco I, pousava em Leonardo, mas o de Leão X, vigário de Cristo, descia sobre Salai.
Coisa banal, não é? Centenas de anos em pedofilia ou homossexualidade na igreja Católica, e, não só. Neste livro Mário Cláudio revela-nos a homossexualidade masculina e o lesbianismo feminismo, tabus que emergem desde há séculos e sempre presentes na história da humanidade.
Vendo-se preterido perante Francesco Melzi, agora discípulo amado do mestre, Salai despede-se após 25 anos decorridos ao seu serviço, com uma bucha de pão e um cantil a tiracolo a caminho de Florença e depois a Milão onde se iria fixar. Mas Leonardo logo se apercebeu que Melzi nunca substituiria Salai, o discípulo eterno. Via-o e sonhava com ele a cada instante, pensando que um dia chegaria e lhe pediria perdão. De tanto o desejar ver e ter consigo, um dia, enviou-lhe uma oferenda constituída por um tríplice de víboras embalsamadas em que o seu discípulo reconheceu o sinal de visitar o eterno protetor. Partiu para a Corte de Francisco I, visitando de imediato o Mestre, e viu, de facto a simbologia das 3 Graças: Claudine, Alexandrine e Sarasine. Quiz casar com esta, constituir uma família, ter filhos. Em vão. Nos aposentos de Amboise descobriu a aliança das 3 fêmeas.
Era a vaidade de supervisor que organizava esta sintaxe. Um deputado e uma jornalista no seu labirinto. Joana, Nádia, Salomé, um convite a orgia, adiada. "O trio estava disposto a cumular-se de gozo, e dar-me o que delas tirasse, com o firme propósito de me sacanear"...eu, o "mais indefinido".  Tombou fulminado. Ela percebeu, que gritou, impondo-se ao líder da bancada, para falar. Que tinha eu a ver com ambos?  João Félix Filostrato, deputado, e João Félix Exposto, economista chefe? Meu pai, este? Avô, aquele? Seria muita coincidência...
"Giacomo Caprotli, Salai, ao procurar Sarasine ... " suspendeu por instantes a marcha, e pôs-se à escuta dos gemidos que se desprendiam de uma alcova onde jamais penetrara. Ergeu um reposteiro, ajustou a vista à penumbra, e ali estavam elas, Claudine e Sarasine e Alexandrine, cuspindo num delírio, e até que lhes escorresse pelo rego das mamas, o veneno que lhes golfava das bocas de víboras escorregadias e enroscadas no cio sem redenção. " " A cena... desencadearia em Salai uma espécie de torpor cinzento, vizinho da desesperança... deu em reparar no corpo do mestre, ali imóvel... o pintor transformava-se num cadáver desconexo, mercê dos agentes naturais, o calor das colinas toscanas, o frio do Vale do Loire, e a humidade lacustre que ressumava dos subterrâneos de Milão. E colara-se-lhe ao rosto uma máscara que só não era a do azedume da decrepitude, porque a amenizava a curiosidade do sábio, o que fazia com que o brilho do olhar apenas vagarosamente se despedisse dele".
A deputada assumiu o compromisso do projeto de lei. "Ela subiria a tal ponto a parada, entre considerandos sem-sentido, que a indiferença geral o aprovaria, em aplauso ao defunto, cuja memória assim cristalizava no diário das sessões". Súbito, numa reviravolta do maior partido da oposição..."Roía-me essa indiferença do economista-chefe, que adiava a própria vida...". É isto o purgatório. Tanto mais que o economista estagiário, narrador, continua confuso, indo à esquadra para interrogatório, saindo com termo de identidade e residência, prisioneiro, sem saber de quem.
"E achegando-lhe os lábios ao ouvido, a assumi-lo já como o defunto que resistia a enfrentar, o eterno discípulo murmurava incentivos e perdões, votos de emenda, e juras de fidelidade, coisas em que por inteiro desacreditava. Leonardo fingia não perceber tais gestos, usando da astúcia que tinha por adequada a promover a regeneração de um filho pródigo assim, não diverso afinal de quantos geramos, e que, se bem que não expressamente terminam em regra por devorar os próprios pais". .. E o jovem de antanho, ajustando ao gibão o cinto que o amo recentemente lhe oferecera, convocava a virilidade que supunha latente no âmago do seu ser...".  Mas no convívio a que revertera, e aparentemente liquidada a intriga tenebrosa, urdida pelas Três Graças, aproximara-se do mestre, movido pela coincidência que se estabelecera entre os dois, e que juntava o fisiológico descalabro do velho de agora à degradação anímica do rapaz de antigamente.
Ora, concluímos, há duas Nádias. A terceira, Nídia, vive algures. A deputada do PnCnO esclareceu já ser mãe de João Félix Exposto (economista chefe), filho de João Félix Filostrato, "vencido por um amor que, receoso de ver estragada a carreira política, deitou às urtigas". O remorso não lhe permitiu essa carreira; o remorso fulminou-o ao revê-la, quarenta anos depois... " A história repete-se tantas vezes: 21 anos depois,... De longe, Nídia seguia-o, já na Santa Casa da Misericórdia (pois o convento minguava em almas), em família de acolhimento, no ensino superior e no desemprego. A avó deputada, que dera os passos de Nídia, pagava mesada. Fora do sangue, depositavam vingança em Salomé. Na sua indiferença soberana, o economista precisava de uma lição. Enfim, o Projeto de Lei seria aprovado na última sessão antes de irem de férias. "Tanta produção legislativa no derradeiro dia não dignificava a Assembleia". Projeto este de que ninguém conhece articulado e só interessa ao banco de investimento. "A regularidade na vitória causa medíocres. Não há fórmulas, nem segredos. O negócio é estar, acompanhar, viver os dramas e alegrias da comunidade...". A indefinição das lideranças chocava os socialistas de gema, por quem a democracia chegara após o feito notável das armas noutra quinta-feira de Abril" (25 de Abril de 1974).
"Deteve-se diante dos aposentos do mestre, e entreouviu o hausto de gemidos, pungente e doce, em que se transforma a respiração dos que acedem aos píncaros da idade. Cinco vezes beijou ele a madeira da porta, e cinco outras se benzeu. Fugiu por fim à morte que invadia o que lhe talhara a vida, não como desistem os covardes que não podem amar, mas como escolhem os heróis que entregaram o coração para além da caducidade dos dias. Aberta a manhã, montou no último cavalo com que o Homem o presenteara, e fez-se à estrada da Itália. Conduzia a reboque a mula que alombava com o alforge onde não ele, mas o rapaz de sempre, metera uma manta, duas fogaças, e uma botelha de vinho".
O debate de 3ª feira foi curto "pois havia reuniões marcadas com autarcas e eleitores descidos da província, coitados, onde encerram escolas, centros de saúde, tribunais e outros serviços, como furiosa legislação produzem iluminados...  intervenção que mandava aqueles às malvas, coitados, que, de outro modo, teriam de dormir em hotel ou residencial manhosa, passar a noite em discotecas, perigando a moral da província e seus "lídimos representantes". A faena seria vitoriosa. Tal como as imagens que procediam as touradas..."tradição de eras bárbaras não cabia no quadro de uma civilização respeitadora dos direitos dos animais - e, cada vez mais, assassina de humanos". E o crime violento? "Dentro deste, o crime bancário seria um sudário de vilezas". "Deputados que se limitam ao "Quem me dera" deviam mudar de actividade". Nessa sessão as intervenções do período de antes da ordem do dia, foram quase todas em votos de dor e louvor ao companheiro desaparecido, colega ausente, eleito ilustre, toureiro emérito, ao reformador do discurso político oitocentista. Sem discussão, nem declarações de voto, foram aprovadas por unanimidade e aclamação as 6 moções. Seguiu-se um minuto de silêncio. Uma avaria arreliadora não permitiu a votação electrónica, obrigando cada um a levantar do lugar o fundo bom que em nós existe, o que seis vezes seguidas, e no esforço (dura mão d'obra) de bater palmas, causa bastante".
É para rir aqui. Ah! Ah! Este sentido de humor genial de Ernesto Rodrigues! Bater palmas é trabalho bastante, cansativo, mão d`obra pesada,  e, que dizer da  bela imagem para designar traseiro: "fundo bom que em nós existe"? Com efeito. Tem muitas vantagens!
Salai iniciou um torpor cinzento, desesperante, enquanto o Mestre se transformava em cadáver inútil. Não quiz assistir à sua decrepitude e voltou para Milão. O velho delirava na aproximação da morte, continuando a amar este filho pródigo e a dar-lhe lições de vida. Na agonia da morte foi apoiado por Francisco I, Rei de França e Duque de Milão, a quem em sua presença chamava "Meu Filho, meu Companheiro, meu Irmão, meu Eu, meu Tudo", a Salai. Melzi ficaria com quase a totalidade da sua herança, imaginando-se já inserido na alta nobreza e regalando-se por ficar para o Discípulo eterno, não mais que metade da hortazinha de Milão. As 3 Graças também sairiam do Palácio, indo juntas habitar uma choupana na floresta, onde recebiam viajantes ricos e com eles dormiam duas a duas. Nas conversas delas falavam dos homens,  "Todos iguais, inúteis para o que exceda aquilo que lhes ordenamos". Mas que teria acontecido ao desgraçado Salai? Tal resposta foi dada por Sarasine, sua ex-apaixonada, quase noiva:  " Consta que se mostrou em Milão o fantoche que sabemos, frouxo de vontade, e amante das penumbras em que a razão cede ao alheamento de si própria"... "Casou-se pelos vistos com uma tal Bianca Calidiroli d`Annono, muito bonita, sensata e afectuosa, assim a pintam, como se o inteiro mulherio não fosse da nossa laia, um rebanho de cabras que ora seduzem, ora se entregam, ora traem, ora se enfurecem, ora cheiram a perfume como as que andam a estas horas na Corte, ora a ranço como nós nos tempos que vão correndo"... "Quanto ao mais", finalizaria ela com voz entaramelada, "parece que morreu o tonto por efeito de um disparo de arcabuz".
Afinal a depravada Sarasine gostou ou gostava de Salai! Essa voz entaramelada, quase chorosa, pela sua morte, nessa palavra meiga de "tonto"! Depois, só ela é que seguiu a sua vida! Do seu casamento? Não demonstrou ciúmes da esposa bela e afectuosa com que o seu ex-apaixonado se casou? O que diz? Que todas as mulheres são iguais a ela, e às 3 amigas, irmãs, rebanho de cabras que ora seduzem ou se entregam, ou traem, enfurecem, quer cheirem a perfume ou a ranço. Cruel, neste final, Mário Cláudio! Para com as mulheres. Todas as mulheres! Dito por uma mulher!  E que dizer do Discípulo eterno e querido de Leonardo Da Vinci? Que morreu, como viveu: sem glória e pouca honra!
A juntar a outros incómodos, não se cansaram de aplaudir a decisão de encerrar a tarde, que cavalgava lá fora, num convite, e fossem atrás dela, para alívio de penitentes". Nesse instante fagueiro, quando fim-de-semana sorri, deu entrada no plenário João Félix Filostrato ou o "Frade Negro", que afinal não morrera, pois estava bem vivinho da silva. E logo a Presidente da AR: "somos um país de gente precipitada". e "numa jogada de mestre... convidou-o a falar da tribuna", nessa 5ª feira, dia 9 de abril.
Afinal, João Félix Exposto era filho de João Félix Filostrato e pai de João Félix, e amara uma freira, Redenção, de nome Nídia. Salomé e Nádia foram presas. E, quando os bons acabam bem e os maus mal, pelo castigo do destino, tudo acaba bem neste romance quase policial, quase narrativo, quase dos tempos duma Assembleia oitocentista, de Ernesto Rodrigues e, esse tal projecto de lei ridículo, que soava a promiscuidade, corrupção, luvas, fraude fiscal, abuso de confiança, etc, para arruinar de vez os dois João Félix, o Filostrato e o Exposto, mas quem morreu, afinal, foi o Deputado da Frente Unida... tal mistério!

Terminamos este breve ensaio sobre:
"Retrato de Rapaz" Um discípulo no estúdio de Leonardo da Vinci, Romance, Alfragide, Pub. D. Quixote, Edição Mª do Rosário Pedreira, 1ª edição, Maio 2014, de Mário Cláudio: escrita difícil, exigente, laboriosa. Escrita pensada, reflectida. MC não vai ao sabor do pensamento ou da pena. Filtra. Filtra as palavras. As ideias. Porque é difícil escrever. É importante saber o que o autor escreve, ter espírito de tempo e de lugar: trabalhar todos os dias sobre a vida de todos e de cada um. Abrir horizontes em milhentas viagens e experiências para conhecer, reflectir, aprender e transmitir.
"Passos Perdidos", Romance, Editora Âncora, Lisboa, 1ª edição, Dezembro 2014, de Ernesto Rodrigues: criando um modelo de escrita em que não existem regras gramaticais, pois não são necessárias para um autor da sua exigência, em causa constantemente, já que não tem de provar nada a ninguém, a não ser a si próprio no caminho da perfeição contínua. ER reflecte incessantemente uma arte criativa multifacetada. Escrita culta e irónica da nossa época moderna, em diálogo e percurso relacional com outras culturas díspares, próximas e longínquas. Ser escritor é uma missão global para quem o quer ser.

Boas Leituras, pois.

Bragança, 2015
Maria Idalina Alves de Brito

(Lara de León)