sábado, 15 de novembro de 2014

Sem Abrigo


POESIA DE LARA DE LÉON

(Pseudónimo de Maria Idalina Alves de Brito)


POESIA SOCIOLÓGICA

(carácter social)


SEM-ABRIGO

 

Nesta cidade de brumas

róseas e cães verdes,

cavalgas ansioso por entre

gotas de rua em pedras

soltas e noites brancas.

 

Migalhas de fome abrem

portas de escombros e

cobertores negros que

dormem em túmulos

de solidão e abandono

nos patamares esquecidos

de cada um de nós.

 

Bocas de múmias cegas

no desafio do tempo oculto,

imagens e devaneios de

recusados carinhos que

lembras de outrora.

 

Desejos do corpo que

esqueceste e da fome

que a noite silencia.

 

Crepúsculos de paixões e

famílias de sonhos que

um dia surgirão no

oculto esplendor da

madrugada em rasgos de

abraços e beijos como

luz no fogo da ilusão

agreste de um dia,

um dia apenas, de vida.

 

Ó homem aventura, nu, cego,

pobre e só, neste deserto perdido

que procuras em liberdade?

 

2013.06.15

Poemas de Lara de León, Pseudónimo de Mª Idalina A. Brito, 2º livro "Derivações do Ser"


 
POESIA

DE LARA DE  LÉON

(Pseudónimo de Maria Idalina Alves de Brito)

 

MARIANA  DE  LEÃO (a)

 
 

I


Neste leito de dois tostões

frágil catre amigo, encosto

minhas lágrimas, sussurros e dores.

Não durmo. Ratazanas percorrem meu

dorido e cansado corpo sob lençóis

da velha seda e cobertores de lã que teci nos

alegres tempos de paixão e filhas nascidas.

Denúncias me arrastaram para um

estado de gemidos, medos e ais,

alegorias no teatro da verdade,

de testemunhas jurando a Deus, Senhor,

Cristo, Jesus, e Maria de Nazaré.

Louvo-Te Senhor, nosso Deus do Céu

e guardo a tua Lei, que é de Moisés.

Encomendo-me a Ti Todo Poderoso

que me haveis de guardar e salvar destas

bocas de más gentes. Oro-Te Adonay  sobre

esta mesa toalha bordada por cansadas

mãos minhas, neste dia grande do Kipur.

Silêncio iluminado por seis acesas torcidas

em tigelas de azeite no interior de varrida

casa de fora para dentro. Hoje e sempre,

ofereço-Te minhas filhas Leonor, Francisca,

Isabel e Ana, que na religião de Moisés eduquei

de seu pai às escondidas, Francisco,

cristão-velho, barbeiro, marido escolhido fora do

“povo da nação” desta terra de Sambade (b).

De raiva contida, solidão, amargura,

nestes dias, apoia-me Senhor. Não me

abandones e livra-me da má morte,

Anjo da Guarda, meu. 

 

II

 
Cabo dos trabalhos em sambenito (c)

insultos, vergonha, tormentos de fome,

ausência, dor e abalos de inquietude desta

cadeia presente que queres em urgência passado.

Esquecer. Fugir para Castela, França ou outra terra

onde Adonay, Deus, Senhor, seja louvado.

Chorar lágrimas pelas filhas que te tiraram,

maior riqueza que possuis em ouro, sedas,

casa e cortinhas. Passar o tempo na mais

abrupta rapidez familiar dos dias para

esperança e nova vida futura.

Cavalgar em vez de caminhar.

Voar em vez de andar.

Percorrer os anos em momentos de

milésimas de segundos. Tempo quer-se.

Deixar este País e esta terra em

séculos de história, de trabalhos e cansaços.

Urge acontecer de

Mariana de Leão para Lara de León.

Ultrapassar a Inquisição hoje em democracia,

liberdade e tolerância. Volver em compassos

de espera as diferenças étnicas.

Assumir és judia, marrana,

cristã-nova ou nova-judia.

És Mariana e Lara, de Leão ou de León.

 
III


Nesta inverniça filipina, fujo para Castela,

meu país que é Portugal, também.

A chuva bate-me na cara e meus pés são

lamas encadernidas em solas de peúgas

de lã que no tear teci há anos.

A família já não o é. No medo da morte

esquecem-se os pais, filhos e maridos.

A Inquisição entranha-nos, come-nos vivos

mesmo testemunhando estarmos mortos.

Vivos e mortos em constante resiliência.

Os muares percorrem carregados a distância

do roubo ao ter. Ouro, jóias, linhos, sedas,

terras e casas, desapareceram na ganância

da Ordem e justeza de alguns que se dizem

Deus da Inquisição. Senhor, nosso Adonay,

Tua palavra nunca faltou, guarda-nos e salva-nos

levando-nos para a terra prometida de mel e flores.

Judeus errantes, sem lugar certo, como casa

o mundo todo.

 

A tua voz ecoa em mim, Senhor:

 

- Mariana, Mariana, tempos virão em que de

Cristo assassina, passarás a holocausto heroína.

 

 

2013.05.27

 

 

 

 

(a)      Ver : ANDRADE, A. Júlio e GUIMARÃES, Mª Fernanda,  Marranos em Trás-os-Montes, Judeus-Novos na Diáspora. O caso de Sambade. Porto, Lema D`Origem. Editores, Lda, 2013.

Mariana de Leão, judia e cristã-nova, nasceu em 1590 e casou em Sambade com um cristão- velho, Francisco Rodrigues. Foi-lhe instaurado o Proc nº 10579 da Inquisição de Coimbra. Todas as suas 4 filhas tiveram igualmente processos abertos naquela Inquisição. Mariana de Leão acabaria por fugir para Castela.

(b)     Sambade é uma freguesia do concelho de Alfândega da Fé, distrito de Bragança.

( c) Sambenito : espécie de saco de cor amarela e com uma cruz vermelha, que os penitenciados do Santo Ofício traziam vestido quando regressavam à terra, em sinal de que tinham sido presos por judaísmo.

 

 

 

 

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Lara de Léon- Pseud. Mª Idalina A. Brito -Derivações do Ser - 2º vol.

POESIA DE LARA DE LÉON (Pseudónimo de Maria Idalina Alves de Brito)
MARIANA DE LEÃO (a)
I
Neste leito de dois tostões frágil catre amigo, encosto minhas lágrimas, sussurros e dores. Não durmo. Ratazanas percorrem meu dorido e cansado corpo sob lençóis da velha seda e cobertores de lã que teci nos alegres tempos de paixão e filhas nascidas. Denúncias me arrastaram para um estado de gemidos, medos e ais, alegorias no teatro da verdade, de testemunhas jurando a Deus, Senhor, Cristo, Jesus, e Maria de Nazaré. Louvo-Te Senhor, nosso Deus do Céu e guardo a tua Lei, que é de Moisés. Encomendo-me a Ti Todo Poderoso que me haveis de guardar e salvar destas bocas de más gentes. Oro-Te Adonay sobre esta mesa toalha bordada por cansadas mãos minhas, neste dia grande do Kipur. Silêncio iluminado por seis acesas torcidas em tigelas de azeite no interior de varrida casa de fora para dentro. Hoje e sempre, ofereço-Te minhas filhas Leonor, Francisca, Isabel e Ana, que na religião de Moisés eduquei de seu pai às escondidas, Francisco, cristão-velho, barbeiro, marido escolhido fora do “povo da nação” desta terra de Sambade (b). De raiva contida, solidão, amargura, nestes dias, apoia-me Senhor. Não me abandones e livra-me da má morte, Anjo da Guarda, meu.
II
Cabo dos trabalhos em sambenito (c) insultos, vergonha, tormentos de fome, ausência, dor e abalos de inquietude desta cadeia presente que queres em urgência passado. Esquecer. Fugir para Castela, França ou outra terra onde Adonay, Deus, Senhor, seja louvado. Chorar lágrimas pelas filhas que te tiraram, maior riqueza que possuis em ouro, sedas, casa e cortinhas. Passar o tempo na mais abrupta rapidez familiar dos dias para esperança e nova vida futura. Cavalgar em vez de caminhar. Voar em vez de andar. Percorrer os anos em momentos de milésimas de segundos. Tempo quer-se. Deixar este País e esta terra em séculos de história, de trabalhos e cansaços. Urge acontecer de Mariana de Leão para Lara de León. Ultrapassar a Inquisição hoje em democracia, liberdade e tolerância. Volver em compassos de espera as diferenças étnicas. Assumir és judia, marrana, cristã-nova ou nova-judia. És Mariana e Lara, de Leão ou de León.
III
Nesta inverniça filipina, fujo para Castela, meu país que é Portugal, também. A chuva bate-me na cara e meus pés são lamas encadernidas em solas de peúgas de lã que no tear teci há anos. A família já não o é. No medo da morte esquecem-se os pais, filhos e maridos. A Inquisição entranha-nos, come-nos vivos mesmo testemunhando estarmos mortos. Vivos e mortos em constante resiliência. Os muares percorrem carregados a distância do roubo ao ter. Ouro, jóias, linhos, sedas, terras e casas, desapareceram na ganância da Ordem e justeza de alguns que se dizem Deus da Inquisição. Senhor, nosso Adonay, Tua palavra nunca faltou, guarda-nos e salva-nos levando-nos para a terra prometida de mel e flores. Judeus errantes, sem lugar certo, como casa o mundo todo. A tua voz ecoa em mim, Senhor: - Mariana, Mariana, tempos virão em que de Cristo assassina, passarás a holocausto heroína. 2013.05.27
(a) Ver : ANDRADE, A. Júlio e GUIMARÃES, Mª Fernanda, Marranos em Trás-os-Montes, Judeus-Novos na Diáspora. O caso de Sambade. Porto, Lema D`Origem. Editores, Lda, 2013. Mariana de Leão, judia e cristã-nova, nasceu em 1590 e casou em Sambade com um cristão- velho, Francisco Rodrigues. Foi-lhe instaurado o Proc nº 10579 da Inquisição de Coimbra. Todas as suas 4 filhas tiveram igualmente processos abertos naquela Inquisição. Mariana de Leão acabaria por fugir para Castela.
(b) Sambade é uma freguesia do concelho de Alfândega da Fé, distrito de Bragança.
( c) Sambenito : espécie de saco de cor amarela e com uma cruz vermelha, que os penitenciados do Santo Ofício traziam vestido quando regressavam à terra, em sinal de que tinham sido presos por judaísmo.